sábado, 30 de abril de 2011

Crematório público é melhor solução?

Projeto sugerido pela Câmara encontra receptividade na Prefeitura, mas a falta de recursos é problema

Menos de 16 anos depois de inaugurado, o Parque Bom Jardim está próximo de atingir a capacidade máxima. A situação lança uma questão acerca do planejamento das ações na área: construir mais um cemitério seria a solução? A Prefeitura de Fortaleza analisa sugestão, apresentada pela Câmara Municipal, que pode gerar muita polêmica: a construção de um crematório público para a cidade.

A iniciativa surgiu por meio de projeto de indicação do vereador José do Carmo (PSL), vice-presidente da Câmara, apresentado em junho de 2009, depois do escândalo dos enterros de indigentes sem caixões no Bom Jardim. "Estivemos lá depois das denúncias. Verifiquei que teria que se ampliar aquele cemitério, que já está saturado. Cheguei à conclusão que se fosse construído, no próprio Bom Jardim, um crematório, iria reduzir sensivelmente o problema de espaço, seria uma solução mais viável", explica.

Com parecer favorável em setembro de 2009, o projeto foi encaminhado para análise da prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, por se tratar de matéria de competência exclusivamente do poder público municipal.

Um dos primeiros apoiadores da ideia na Prefeitura foi o titular da Secretaria Executiva Regional (SER) V, Récio Araújo. "Contei à prefeita que o Bom Jardim está próximo de esgotar capacidade e ela se mostrou preocupada", revela o secretário. Luizianne pediu que Araújo desse continuidade à construção de ossários e ao processo de exumações para evitar que o Bom Jardim esgote a capacidade e encaminhou o projeto do crematório para a Procuradoria Geral do Município (PGM).

Como o assunto é relacionado à saúde pública, o projeto foi encaminhado à Secretaria Municipal de Saúde (SMS), onde se encontra em análise. O coordenador de Políticas de Saúde do Município, Reginaldo Alves, se mostra favorável à construção do crematório público, mas explica que, por hora, não há dotação orçamentária. Ele explica que há duas fontes de recursos para investimentos em saúde pela Prefeitura: o tesouro municipal e as verbas repassadas pelo Ministério da Saúde.

O problema é que a alocação de recursos do tesouro na saúde está em 27%, no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, cita Alves. Além disso, diz que a administração tem priorizado obras como o Hospital da Mulher e a ampliação dos Frotinhas.

"Como questão de saúde pública, inclusive pelos problemas recentes que tivemos, o crematório público é absolutamente viável", analisa Alves. Para ele, o projeto garantiria que indigentes poderiam ser cremados sem passar por "constrangimentos", como os ocorridos no Bom Jardim no ano passado. Por outro lado, Récio Araújo pondera que o crematório seria uma alternativa para dar mais durabilidade aos cemitérios, mas não pode ser a única solução. "Pela nossa cultura e por influência da religião, a cremação não é muito aceita pela população", acredita. O secretário diz que pesquisou em outros estados e em outros países e a cremação não tem um percentual muito alto de aceitação.

Dados da Associação Latino-Americana de Crematórios e Cemitérios, informados pelo diretor executivo do Atlânticos Memorial Garden, Dario Loinaz, revelam que no Brasil há 22% de intenção de cremação. Para ele, esse é um índice "considerável", mas as pessoas ainda são muito "arraigadas" ao solo. "Estimo que, de cinco a dez anos, esse índice torne a crescer, mas não vai passar de 32%", projeta.

Quanto ao custo de implantação de um crematório público, o diretor do Jardim Metropolitano, Moacir Fernandes Macêdo Pinto, acredita que não há muita diferença para o Município, em comparação com o cemitério. Enquanto a cremação simples sai por R$ 1.300,00, no Metropolitano, o jazigo com três gavetas sai por R$ 2.400,00 e taxa de manutenção. O diretor endossa, no entanto, a possibilidade de rejeição popular: "Ainda tem muito preconceito".

O QUE DIZ A LEI

Duas leis municipais regulamentam a cremação em Fortaleza. A Nº 5.778, de 1983, estabelece especificações técnicas para os fornos crematórios funcionarem, incluindo a relação de instalações necessárias e suas medidas

A LEI Nº 6.455, de 1989, autoriza o Executivo a instituir a cremação em cemitérios e outros espaços municipais. Em caso de morte natural, pode ser cremada pessoa que houver revelado esse desejo por instrumento público ou particular (neste caso, com documento registrado e presença de testemunhas). A família pode autorizar a cremação se o falecido não tiver registrado vontade contrária. Em morte violenta, exige-se autorização policial. A Lei também permite à Prefeitura cremar indigentes

O PROJETO de indicação enviado pela Câmara à Prefeitura sugere que a cremação gratuita seja condicionada à doação de órgãos do falecido pela família
FIQUE POR DENTRO
Em outros estados


A cremação gratuita é oferecida também em São Paulo e Salvador. No Crematório de Vila Alpina, na capital paulista, o serviço é 100% gratuito apenas se a pessoa for doadora de órgãos e tiver falecido na cidade. Do contrário, é preciso pagar taxas a partir de R$ 300,00. Em Salvador, o cemitério particular Jardim da Saudade disponibiliza 30% de seus serviços em cremações gratuitas à população carente desde agosto de 2009. A medida visa a obedecer a lei municipal. Outra prefeitura que discute a criação de um crematório público é Belo Horizonte. No Rio de Janeiro, é preciso pagar R$ 800 pela cremação oferecida no Cemitério do Caju, administrado pela Santa Casa de Misericórdia, concessionária municipal de serviços funerários.
INFLUÊNCIA CULTURAL E RELIGIOSA
Aceitação popular pode ser obstáculo


A proposta de construção de um crematório público em Fortaleza pode gerar polêmica. A influência das religiões, a relação cultural de "costume" com os enterros e a falta de informação são algumas das explicações dos empresários do setor para a possibilidade de o projeto sugerido pela Câmara Municipal de Fortaleza enfrentar resistência.

Segundo o diretor executivo do Memorial Atlânticos Garden, Dario Loinaz, de todas as religiões, apenas o judaísmo ortodoxo e os mulçumanos não aceitam a cremação. No entanto, a desinformação sobre a posição das demais religiões ainda é um obstáculo. "A Igreja Católica aceita a cremação desde 1963, mas as pessoas ainda acreditam que o catolicismo não autoriza", lamenta o empresário.

No entanto, o pastor titular da Igreja Batista Central, Armando Bispo, não vê com bons olhos o projeto se ele vier como solução única para a superlotação das necrópoles. "A construção de um crematório público se justificaria se não tivéssemos, em Fortaleza ou no entorno da cidade, espaços para construir um cemitério, mas não acho correto pois nós temos espaços disponíveis", afirma.

O pastor esclarece que não se trata de uma imposição religiosa ou de censura à cremação. "A Bíblia não fala sobre isso. A pessoa morre e faz do corpo o que bem queira ou o que a família queira. Mas, com o crematório (público), você cria uma situação única e essa nem sempre é a opção das famílias", critica.

Já o assessor da Regional Nordeste I da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), padre Brendan Coleman McDonald, também vigário paroquial da Igreja de São Raimundo, no Rodolfo Teófilo, confirma que a Igreja Católica não tem nada contra a cremação, "desde que a pessoa não queira dizer com isso que não acredita na vida eterna". Para ele, o ato de cremar "é até mais higiênico".

Por sua vez, Marcus Strozberg, membro da Sociedade Israelita do Ceará, explica que o judaísmo não reconhece a cremação porque, pelo Código de Tradições Judaicas, o corpo tem que ter uma sepultura. "Na prática, a sepultura é a forma daquela pessoa, o que sobrou dela de matéria, a marca dela nesse mundo.

Cemitério em hebraico significa ´a casa da vida´, para se ter ideia de como é importante o cuidado com os restos mortais para nós", cita.
JARDIM METROPOLITANO
Mais de 780 pessoas cremadas em 9 anos


Jogar no mar. Colocar sob uma árvore. Levar para a fazenda ou deixar as águas de um rio levarem. Esses são alguns dos destinos preferidos dados por familiares às cinzas de entes queridos cremados no Jardim Metropolitano, situado no Eusébio.

Entre 2001 e 2009, 782 pessoas foram cremadas no único crematório a oferecer o serviço no Ceará. De acordo com o diretor, Moacir Fernandes Macêdo, apesar de o número ter aumentado sucessivamente até 2008, ainda é "incomparável" frente ao total de sepultamentos em terra. Segundo ele, a cada 12 cremações por mês são feitos 180 enterros.

Mesmo assim, o empresário diz que oferecer a cremação dá retorno ao cemitério, que é procurado, inclusive, por pessoas de outros estados do Nordeste. O Metropolitano foi o primeiro da região a prestar o serviço.

Para a administradora do cemitério, Sandra Socorro da Costa, a questão é cultural: "Tem casos em que a pessoa diz em vida que quer ser cremada, mas a família desiste". Por isso, mesmo quando a escolha pela cremação é registrada em cartório, o cemitério só executa o procedimento com a autorização de dois parentes diretos e de dois médicos. Em caso de morte violenta ou de estrangeiro, é exigida autorização judicial.

Um fator que leva à rejeição, conforme os administradores do Metropolitano, é o desconhecimento de que a cremação pode incluir o mesmo ritual do enterro, com velório e missa.

Além da cremação simples, por R$ 1.300,00, o Metropolitano oferece planos que variam de R$ 2.300 a R$ 6.250 à vista, ou em até 60 parcelas com juros. As opções podem incluir remoção do corpo, urna funerária de aluguel, ornamentação, cinzário (para colocação das cinzas) e corumbário (espaço reservado no cemitério). Também há opção de aderir a um plano funerário com cremação por R$ 55,00 de adesão e mensalidade de R$ 27,90, com direito a incluir um titular e nove dependentes.

CREMAÇÃO ANO A ANO

14 - 2001
32 - 2002
75 - 2003
75 - 2004
76 - 2005
101 - 2006
125 - 2007
146 - 2008
138 - 2009

FONTE: JARDIM METROPOLITANO

COMO FUNCIONA A CREMAÇÃO

O Jardim Metropolitano exige autorização de dois parentes diretos do falecido. Em mortes violentas, autorização judicial
Familiares seguem o corpo até a urna entrar no crematório
Dentro do crematório, a família não tem acesso
A queima demora entre 2h e 2h30, sob calor de até 1.300°
Para virar pó, os ossos são colocados em um triturador
As cinzas são entregues à família em um saco plástico ou em uma urna, cuja compra é opcional FOTOS: RODRIGO CARVALHO
ENQUETE
Você é a favor da cremação?


"NÃO ACEITARIA ser cremado nem teria coragem de cremar um ente querido. A Bíblia não fala nada disso"

TOMAZ EDENE MAGALHÃES
62 anos
Engenheiro elétrico

"NA PALAVRA de Deus, eles guardavam os ossos deles, mas não sei lhe responder. Os meus entes queridos é que vão decidir"

VIRGÍNIA CÂNDIDO
56 anos
Dona-de-casa

"Isso já vem na Bíblia. Antigamente, as pessoas eram cremadas e não enterradas. Aceitaria sem problemas"

FRANCISCO AÉCIO ALVES
37 anos
Técnico em Eletrônica



ÍCARO JOATHAN
REPÓRTER
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Familiares seguem o corpo até a urna entrar no crematório

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Dentro do crematório, a família não tem acesso

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A queima demora entre 2h e 2h30, sob calor de até 1.300°

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Para virar pó, os ossos são colocados em um triturador

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As cinzas são entregues à família em um saco plástico ou em uma urna, cuja compra é opcional
RODRIGO CARVALHO

Um comentário:

  1. Olá Adriana,
    veja que interessante a possibilidade de comunicação que o blog estabelece. Por isso a necessidade de seus comentários!

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